A Garota do Espelho

Sophia estava em pé, em frente ao espelho, no banheiro de sua casa. Olhava-se e olhava-se, fixamente. Não sabia mais há quanto tempo estava ali, perdida em seus pensamentos. Na verdade, nem tinha mais noção de que estava em algum lugar...

Ela tinha ouvido de alguém a frase "Conhece-te a ti mesmo". E quanto mais ela olhava para aqueles olhos tão enigmáticos da garota do espelho, mais ela perguntava a esta garota: "Quem é você?". Sophia sentia que era mais do que o nome que constava no seu RG. Sentia que era mais do que sua personalidade, seus sentimentos, seus pensamentos, seus sentidos, seus instinstos, sua experiência de vida, seu conhecimento. Sentia que era muito mais. Era muito maior do que tudo aquilo. Mas quem era ela? Quem era ela para o mundo? Quem era ela para si mesma? Qual era o seu lugar? Porque existia?

Sophia olhava e olhava para aquela figura na sua frente, esperando que a estranha garota do espelho pudesse lhe revelar a sua verdadeira personalidade, como aqueles oráculos ou magos de livros de mitologia. Esperava que a figura no espelho movesse seus lábios e lhe dissesse tudo que ela precisava saber sobre si mesma. Na verdade Sophia sabia que a garota que via no espelho - e neste momento lhe parecia desconhecida, alguém que ela estava vendo pela primeira vez - era ela. Mas, ao olhar profundamente para si, tinha a impressão de que, por detrás daqueles olhos havia alguém a lhe observar. E quanto mais encarava os próprios olhos, maior era a impressão que alguém lá dentro lhe observava e ria-se dela, ria-se de sua angústia, de sua busca por respostas. Este alguém ria porque era o ser que guardava as respostas que Sophia queria e que, provavelmente, eram óbvias, como todas as verdades são. O problema é que, por serem tão óbvias, as verdades sempre nos passam despercebidas.

Se havia um ser lá dentro, olhando-a por detrás de seus próprios olhos refletidos naquele espelho, então este ser guardava algo de importante, de essencial. Talvez, pensou ela, esta criatura dentro dela - será que é o que as pessoas chamam de alma? - guardasse as respostas capazes de libertar Sophia, de lhe apontar a direção a seguir. Mas, neste momento, sentiu pela primeira vez que havia algo de inalcançável dentro de si mesma. E como alcançar algo que é inalcançável?

E continuou a olhar-se e questionar-se, buscando descobrir quem era, enquanto a garota do espelho devolvia-lhe o olhar, como intrigada com os olhares profundos que Sophia lhe dirigiaO problema era que Sophia não percebia que não poderia alcançar a parte inalcançavel com sua mente limitada e também não poderia enxergar o "algo" importante dentro de si com seus olhos físicos. O caminho era justamente o inverso: fechar o olhos e sentir. Apenas sentir. Pois como já disse um grande sábio: "o essencial é invisível aos olhos. Só se vê bem com o coração."

Um pouco de Clarice Lispector

"Nesta minha nova covardia - a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la -, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir. É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma idéia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. A idéia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas e agora? estarei mais livre?
Não. Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar - e que por segurança chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída. Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas assustei-me porque não sei para onde dá essa entrada. E nunca antes eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê."

Extraído do livro ''A Paixão segundo G.H"

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