A Batalha



"Não me entrego sem lutar
Tenho, ainda, coração
Não aprendi a me render
Que caia o inimigo então."

Ele não estava acostumado a ouvir não. Ela não estava acostumada a dizer sim. Porém, ela estava sentindo que estava cedendo. Sentia que a qualquer momento perderia esta guerra contra seus sentimentos.

A batalha dentro dela era intensa. Ela se sentia sendo puxada para um lado, pela razão, e para o outro, pela emoção. Por muito tempo ela acreditara que a razão ganharia esta batalha, mesmo porque, sua natureza era racional. Ela sempre ponderava cada aspecto, olhava as situações por vários ângulos e pesava também as consequências de seus atos, não apenas as consequências que a atingiriam, mas também o que as suas decisões afetariam na vida das outras pessoas, de todos que estavam ao seu redor.

Este comportamento calculista a havia feito resistir todo este tempo, afinal, sabia que aquele tipo de envolvimento com ele não daria em nada e poderia acabar prejudicando - ou machucando - um dos três envolvidos. Sim, ela estava no meio de duas pessoas e sabia que não poderia ter os dois. Ficar com os dois ia totalmente contra os seus princípios e, mesmo que mantivesse uma situação assim por um tempo, como uma pessoa bastante lógica sabia que uma hora teria que optar por um dos dois, teria que escolher quem ela realmente queria ao seu lado, com quem gostaria de dividir a sua vida.

Mas estava difícil continuar falando "não" para a terceira pessoa. Seus sentimentos estavam pressionando-a. Por mais racional que uma pessoa seja, por mais que ela aprenda a lidar com seus sentimentos, como dominá-los, como eliminá-los? O conflito dentro de si era grande, a vontade de ceder, de se entregar, de vivenciar isto - nem que fosse apenas por uma única vez - se tornava cada dia maior. Perguntava a si mesma, quanto tempo mais aguentaria?

E valia a pena lutar tanto tempo contra si mesma? Por mais que invocasse a razão, tinham respostas que a sua mente não conseguia obter por que ninguém podia afirmar com certeza como seria o seu futuro, qual reação viria de cada ação sua. Como seria se ela se deixasse levar, se ela abandonasse o controle e a razão apenas desta vez? Só havia uma maneira de saber... e era justamente através da entrega, mas, como alguém sempre acostumada a estar no controle, ela não sabia como fazer isso...

A Espera



Esperando.
Esperando o quê?
Esperando algo, alguém...
Esperando sei lá o que...
Mas, quando não se sabe o que se espera
Como reconhecer quando este algo, alguém ou sei lá o que aparecer?
Sei lá. Como poderia saber?
Talvez esteja esperando algo que nunca acontecerá.
Talvez esteja esperando uma vida que nunca poderá ser minha ou fazer parte da minha.
Talvez esperando algo que eu já tenho e não consigo perceber por não saber o que espero e, por isso, não perceber que já possuo o que tanto gostaria de ter...

O Guardião

"Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam."
Clarice Lispector

Ele olhava para o rosto pálido e abatido de Pamila. Sabia o que a oprimia, conhecia os seus conflitos, os seus dilemas, as suas angústias, os seus questionamentos. Conhecia toda a sua história. Como? Embora ela não soubesse, ele vinha acompanhando-a desde o momento em que fora concebida.

Acompanhara seu nascimento, sua infância, sua adolescência, o início de sua vida adulta. Embora Pam não o enxergasse, estivera ao lado de sua cama nos dias em que ela caira doente. Embora ela não o sentisse, abraçara-a nos momentos em que ela se sentia sozinha ou com medo. Pam não podia ouví-lo, mas ele sempre falara palavras sábias e reconfortantes em seus ouvidos, sempre orientou-a. Algumas vezes ela conseguira sentir ou assimilar algo que lhe era dito, mas não através de seus cinco sentidos e sim através do que ela chamava de intuição.

Esta noite não fora diferente. Pam estivera em mais uma das suas crises e ele ficara ao seu lado todo o tempo. Falara-lhe, pela enésima vez, sobre o seu destino, sobre sua missão de vida, sobre o que Pam estava destinada a fazer. Ela não ouvia suas palavras, mas sentia cada vez mais uma sensação reconfortante. Sentia dentro de si uma certeza - que não sabia de onde vinha - de que não devia desistir ainda. Que havia algo reservado para ela. Sim, ela de alguma forma sabia disso, mas não imaginava que recebia estas coisas através daquele ser ao seu lado. Como poderia saber?

Pam sempre ouvira que existiam anjos, mas nunca teve certeza disso. De qualquer maneira, histórias e desenhos de anjos tinham um efeito muito forte sobre ela. Mal sabia que havia - e sempre houvera - um ao seu lado...

Conforme a sensação de confiança, de calma, de acolhimento expandia-se, Pam relaxava, até o momento em que entregou-se ao sono e ao cansaço. Ele, por sua vez, sabia que no dia seguinte ela já estaria melhor. Conhecia sua protegida, olhara sua alma diversas vezes. Sabia, melhor do que qualquer outra pessoa, a força que estava guardada naquele ser. Sabia que algo dentro de Pam era muito mais forte do que a escuridão que às vezes caia sobre ela e isto era o que importava, pois isso a manteria no caminho certo e a faria cumprir o seu destino. Sabia também que sempre estaria ali, ao lado de sua "amada criança" - era assim que via sua protegida - acolhendo-a, incentivando-a, inspirando-a, cobrindo-a de amor e de luz, preparando-a para a sua jornada em busca de si mesma.

Vazio

"Num instante
Você vira sapo
Bobeou na crença
Príncipe volta
Ao seu posto
De lenda..."
(Música "Lenda" - Céu)

- Então é assim que uma longa história se acaba? Anna perguntava-se incessantemente. Era difícil de acreditar...

Era difícil de acreditar que alguém que fora tão importante para ela, durante tanto tempo, hoje já não significava mais nada.

Há dias Anna percebia algo diferente em si mesma. Uma calma vazia, uma sensação de que perdera algo, de que perdera algo que, na verdade, nem queria mais, mas que era seu, por isso não queria perder. Queria ela mesma descartar... E hoje ela finalmente percebera o que estava deixando-a vazia: a ausência de seus pensamentos - antes quase obsessivos - em alguém que nem reparava que ela existia.

Anna vivera uma paixão "platônica" por alguém durante muito tempo. E, durante este "muito tempo", sua mente era habitada pelo ser desejado. Seus pensamentos insistiam em vagar sempre de encontro a ele; tudo o que via, ouvia, vivia lembrava-a daquela pessoa tão querida, tão amada, tão esperada. Mesmo nos últimos tempos, quando o seu sentimento já havia enfraquecido, esta pessoa ainda fazia parte de sua vida.

Mas algo mudara. Anna perguntava-se há quantos dias não pensava nele, não desejava vê-lo, ouví-lo. Ela não sabia. A única coisa que sabia é que tudo foi acontecendo lentamente. Nas últimas vezes que se viram ou se falaram ela já havia percebido que algo mudara dentro de si. Ele já não despertava mais os mesmos efeitos nela.

Mas ela não esperava que seu sentimento desaparecesse assim. Anna sabia que um dia iria esquecê-lo, mas a sensação que tinha é que - depois de anos convivendo com aquele sentimento - um dia acordara e notara que não sentia mais nada.

Ao mesmo tempo que Anna sentia-se alíviada - seria este o fim da angústia de querer algo que não podia ter? -, sentia-se também roubada, como se alguém tivesse colocado a mão dentro dela e arrancado algo que lhe era precioso, deixando o espaço - antes ocupado por aquela pessoa - totalmente vazio.

Então seria assim a partir de agora? Tudo que restava era um espaço vazio, pronto para ser ocupado por outro? Cadê tudo aquilo que antes via nele? Onde estava o encanto, a magia, o mistério, a vertigem que a envolvia? Sumiu?

Anna sentia como se tivesse passado um furacão em sua vida. Um furacão que tirou tudo do lugar. E, em seguida, passou. Agora era reconstruir tudo, recomeçar.

Anna ainda não conseguia saber se este "esquecimento" era definitivo ou se o sentimento ainda voltaria. E não sabia também definir o que era pior: a angústia que vinha acompanhada de um amor intenso, uma vontade de cuidar, de proteger, de fazer alguém especial feliz; a angústia que, ao mesmo tempo, queimava e confortava, preenchia, tirava seus pés do chão ou esta calma vazia, morna, sem dor mas também sem graça que ela sentia agora...

Estas dúvidas que rodeavam-na, Anna sabia, somente o tempo poderia lhe responder...

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